Fonte: O Estado de Minas | Autora: Andrea Ramal
O Brasil investe quase quatro vezes mais no ensino superior do que na educação básica – ao contrário do que acontece na maioria dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). No ensino fundamental, enquanto a média dos países da OCDE é de US$ 8 mil/ano por estudante, nós não chegamos a US$ 4 mil. No ensino superior, o investimento por aqui ultrapassa os US$ 11 mil/ano por estudante, valor superior ao praticado em países como Itália, República Checa e Polônia.
Ainda assim, a rede pública de universidades padece. São 300 campi, de 63 instituições, em situação crítica que, ano a ano, vem se deteriorando, sobretudo por problemas de gestão. Há pelo menos três anos é realizado um forte contingenciamento de despesas, o que tem levado essas instituições a reduções continuadas de orçamento. Além dos atrasos em contas básicas, como água, luz, segurança e limpeza, são incontáveis as perdas com a falta de investimentos em novos equipamentos e na manutenção e modernização das suas estruturas. Essa situação afeta 2 milhões de estudantes.
Para a maior parte dos alunos universitários brasileiros, a opção é a rede particular, que hoje conta 6 milhões de matrículas nos cursos de graduação. O aumento exponencial de instituições de ensino, por todo o território nacional, se deu no momento dos incentivos do governo federal, sobretudo pelo programa Fies – Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior. Atualmente, porém, elas enfrentam sérias dificuldades.
A primeira delas é a evasão. A precariedade da formação inicial faz com que os jovens saiam do ensino médio com sérias deficiências e imensa dificuldade para interpretar textos, relacionar dados e acertar contas simples. Essas competências fazem falta nos cursos superiores, a tal ponto que as instituições são obrigadas a criar disciplinas de nivelamento das turmas, ensinando conteúdos que deveriam ter sido aprendidos na escola. Muitos estudantes acabam abandonando os cursos logo no primeiro ano. Turmas inicialmente cheias começam a ficar pequenas, o que representa menos receita, não necessariamente com menos custos.
Ao mesmo tempo, com a redução de verbas federais, o mercado se tornou ainda mais competitivo. Enquanto alguns poucos se diferenciam pela qualidade, outros entram numa feroz guerra de preços. Deparamos com cursos que têm mensalidades em torno de inacreditáveis R$ 40 reais. Ou seja, um curso com duração de quatro anos, em tese, pode ser pago integralmente por menos de R$ 2 mil reais – praticamente o que custa um mês de estudos numa universidade de elite.
Essa estratégia, que tem como principais objetivos dominar o mercado, evitar o surgimento de competidores e impedir o crescimento da concorrência, não parece sustentável. De fato, isso se reflete na queda da qualidade do ensino, com professores mal remunerados, salas de aula e laboratórios ultrapassados, infraestrutura deficiente. Em algumas instituições, o material didático, composto apenas de apostilas, é criado por profissionais que se limitam a resumir o que seria um conjunto de ideias essenciais de autores. Uma prática simplista e que não pode trazer bons resultados. Afinal, como é possível formar profissionais de excelência se não há o contato com textos originais, fontes e teorias de ponta?
Em paralelo, vem crescendo o número de cursos de educação à distância. Eles já chegam a quase três mil. Isso porque nos últimos anos o Ministério da Educação vem apostando fortemente na flexibilização das regras para esta modalidade. O acompanhamento e a avaliação da qualidade por parte do próprio MEC, no entanto, deixam a desejar. As instituições não investem como deveriam em material online especializado e em métodos de interação e tutoria. Os resultados incluem avaliações desastrosas no Enade, o exame que mede os conhecimentos dos graduados de cada faculdade.
Um problema adicional é a queda do nível de exigência de muitas das instituições. Como reprovar pode significar perder alunos e a receita das mensalidades, a régua se torna baixa. Falta rigor nos processos de avaliação e aprovação. Em consequência, estas faculdades jogam anualmente no mercado um enorme grupo de profissionais certificados com uma espécie de “diplomas de areia”, que se dissolvem no primeiro desafio prático no mercado de trabalho. Isso contribui para aumentar o número de desempregados e de pessoas que precisam recorrer a profissões com menos exigências acadêmicas.
Essa situação dramática precisa ser tratada o mais rapidamente possível. As soluções envolvem uma série de ações. Uma medida importante é o aumento do rigor nas avaliações realizadas pelo Ministério da Educação, incluindo a retomada das visitas rotineiras de avaliadores. Aprimoramento da gestão, na rede pública, é condição para sair do fundo do poço. Quanto ao processo de aprendizagem, a didática do ensino superior também precisa melhorar. As instituições devem se voltar para as metodologias ativas, como fazem os países de alto desempenho em educação, ensinando o estudante a aprender e usando estratégias diversificadas e materiais didáticos de qualidade. E, para não voltarmos a ter um ensino superior que seja um privilégio de poucos, é fundamental melhorar a qualidade da educação escolar.