Fonte: O Estado de S. PauloAutora: Andrea Ramal

 

Efeito Matilda: termo usado nos casos em que uma pesquisa tem uma mulher cientista na equipe ou na coordenação, mas é seu colega pesquisador do sexo masculino quem acaba levando o crédito pelo trabalho. O fenômeno foi descrito pela sufragista Matilda Gage, no século 19, e o termo foi cunhado pela historiadora Margaret Rossiter, em 1993. Isso aconteceu, por exemplo, com Marieta Blau, Esther Lederberg e Joselyn Burnell, consideradas decisivas em descobertas que renderam o Prêmio Nobel – só que para cientistas homens, em 1950, 1958 e 1974, respectivamente.

Um estudo que analisou mais de mil publicações científicas entre os anos 1991 a 2005 mostra que, em artigos escritos por homens, outros cientistas homens são muito mais citados do que autoras mulheres.

A pouca valorização da contribuição autoral das cientistas mulheres é um dos fatores que explicam a baixa presença de representantes femininas na investigação científica em países como Alemanha e Estados Unidos. No Brasil, as mulheres também são minoria em laboratórios e centros de pesquisa.

Na Academia Brasileira de Ciências, apenas 14% dos integrantes são mulheres – sendo que, na área de Engenharia, a participação feminina é de meros 2%. Do total de bolsas concedidas pelo CNPq, na área de Matemática, a proporção de mulheres é de apenas 20%. Em Engenharia os bolsistas homens são 68% e, em Economia, 74%. Isso não significa que os organismos de fomento privilegiem os homens, mas certamente confirma que, nestas áreas, menos mulheres chegam ao âmbito da investigação.

O paradoxo é que as mulheres são a maioria entre os estudantes matriculados no ensino superior no Brasil. No entanto, à medida que avançam em suas carreiras, no meio acadêmico, esse número vai se reduzindo. A doutora Christina Brech, do IME-USP, fala de um “dilema Tostines” na matemática: “O ambiente é masculino porque somos poucas, ou somos poucas porque o ambiente é masculino?”. Segundo ela, uma comunidade científica que já é predominantemente masculina (não necessariamente machista) acaba naturalizando, mesmo subliminarmente, comportamentos ditos “masculinos” – e, por sua vez, de certo modo condiciona as mulheres (e os homens) a entender o ambiente dessa forma, perpetuando a situação.

A origem do fenômeno está em fatores culturais e educacionais. Lidamos com estereótipos cristalizados desde a infância, como o de que “meninos são melhores em matemática”, ou de que é mais próprio dos homens dedicar-se às ciências. São os meninos, e raramente as meninas, que, em geral, ganham presentes ligados a química ou biologia, como laboratórios de brinquedo ou livros sobre dinossauros.

Anos mais tarde, as mulheres que seguem a carreira científica encaram uma realidade que pouco prevê aspectos próprios do feminino. Por exemplo, a licença maternidade nas bolsas de pesquisa é uma conquista recente; e mesmo assim, quando as cientistas precisam interromper a pesquisa para ter filhos, há poucas iniciativas para a sua reinserção na função. Os números mostram que a vida acadêmica costuma privilegiar os homens quando surge uma vaga. O resultado é que as mulheres são minoria em número de professores, cargos de direção, bolsas de pesquisa e publicações científicas.

A maneira de reverter essa situação é incentivar a aproximação das meninas com a ciência desde a infância. Já há iniciativas interessantes, como por exemplo o projeto Meninas com Ciência, originado no Museu Nacional, no Rio de Janeiro, e seguido por instituições como a USP, em São Paulo, e a UFSCar, em Sorocaba. O projeto oferece oficinas sobre Geologia, Paleontologia e sobre a presença feminina na ciência, entre outros temas. As ações são ministradas por mulheres, entre alunas, pesquisadoras e educadoras.

Outra iniciativa notável é o Mulheres na Matemática, do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade Federal Fluminense – UFF. O objetivo do projeto de extensão é atrair jovens alunas para a carreira e incentivar a divulgação de trabalhos científicos de pesquisadoras como forma de criar modelos a serem seguidos desde cedo pelas meninas.

No âmbito da família e na vida escolar, as meninas precisam ser incentivadas a descobrir as ciências, matemática, química, física e biologia. Uma forma de romper paradigmas é mostrar-lhes a contribuição de brilhantes cientistas brasileiras, como Bertha Lutz, Elza Furtado Gomide, Graziela Maciel Barroso, Nise da Silveira, Sonia Ashauerou e Sonia Dietrich. Desafio lançado para pais e professores: afinal, meninos e meninas têm direito de receber os mesmos ensinamentos e estímulos para que, no futuro, tenham as mesmas oportunidades e possam seguir nas profissões que escolherem.

*Andrea Ramal é educadora, escritora, consultora e doutora em Educação pela PUC-Rio