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Fonte: Destak | Autor: Cássia Caballero

 

Denúncias de vizinhos, visitas do Conselho Tutelar e até prisão de pais. Depois de todo o tipo de interferência na vida de quem escolhe educar os filhos em casa no sistema conhecido no mundo todo como homeschooling (Educação Domiciliar), na quarta-feira (12), o STF (Supremo Tribunal Federal) julgou a iniciativa inconstitucional, determinando que toda criança deve frequentar uma escola formal.

A notícia caiu como uma bomba para o mestre em Tecnologia da Computação Giovani Salvador, que, ao lado da mulher, educa o filho de 9 anos em casa. “Não me importo em prestar contas ao Estado, mas educo melhor do que a escola, contrato tutores especiais, e me tiraram esse direito”, relatou emocionado Salvador, que disse ter até dificuldade para dormir na noite em que saiu a decisão.

Ele explica que a escolha pela Educação Domiciliar levou em conta o atual, porém velho, modelo educacional adotado nas escolas do país. “Nas escolas brasileiras faltam respeito ao professor, têm bulling, salas de aulas com muitos alunos. Eles não têm condições de praticar um ensino mais individualizado”.

Salvador também explica que depois de tomar a decisão,  se prepararam conversando com famílias que já haviam adotado o sistema, fazendo cursos on-line e até contrataram uma pedagoga depois de um período de aulas para avaliar o desempenho do estudante e a metodologia. “Procuramos não trazer a escola para dentro de casa, mas meu filho tem aulas todos os dias, seguimos um cronograma, uma carga horária, mas respeitando sempre o momento e os interesses da criança”. O filho de Salvador foi alfabetizado pela mãe, recebe aulas de português, matemática, geografia e, como ele explica, projetos especiais que tramitam pelas disciplinas. “Nós orientamos como fazer pesquisas, perguntamos o que ele quer aprender e ele se sente feliz em sentar comigo para aprender. A escola é obrigação. O homeschooling é prazer, é despertar o desejo do saber da vida”, salienta.

Quando questionado sobre a questão da sociabilidade, um dos argumentos mais usados por quem se posiciona contra a Educação Domiciliar, o cientista da computação diz considerar um mito o argumento de que a escola deve ser a única fonte de sociabilização. “Meu filho frequenta uma escola de inglês, onde convive com outros alunos, tem amigos na rua onde moramos, convive com vizinhos”.

Contra
Apesar de entender que a educação mais personalizada é um benefício do homeschooling, a doutora em Educação Andrea Ramal também aponta a questão da sociabilização que, segundo ela, passa a ficar limitada neste modelo educacional. “Na escola, a criança aprende a conviver com o diferente, gerencia conflitos, forma redes de relacionamento, o que desenvolve competências emocionais importantes para o trabalho e a vida. Sem falar da importância dos professores, pois é preciso interagir com outros líderes adultos além dos próprios pais”, defende.

E agora?
No Brasil, estima-se que existam cerca de cinco mil famílias que adotaram a Educação Domiciliar para aproximadamente sete mil estudantes e a pergunta que esses pais fazem após a decisão do STF é  “como proceder a partir de agora?”.

A ANED (Associação Nacional de Educação Domiciliar) divulgou nota dizendo que ainda cabem recursos à decisão do STF e que é preciso aguardar. No texto, a associação explica que o STF julgou que Educação Domiciliar é assunto para o Congresso Nacional e não para o Supremo, necessitando de aprovação de lei, e que processo está interrompido até que a decisão transite em julgado, ou seja, quando não houver mais possibilidade de recursos. “Dentro de algumas semanas, o Acórdão (texto da decisão) será publicado no site do STF quando, então, a ANED deve interpor Embargos de Declaração (recurso utilizado para esclarecer o resultado da decisão). O processo somente transitará em julgado (terminará) com a decisão desses Embargos, o que pode demorar meses. Até lá, o sobrestamento [interrupção do processo] estará em vigência”, diz a nota.

Como deve ser a Educação Domiciliar, segundo a ANED

De acordo com a ANED (Associação Nacional de Educação Domiciliar), o papel dos pais não é o de um professor, mas de um facilitador. Na Educação Domiciliar, os pais são mediadores entre seus filhos e o conhecimento. Dessa forma, não precisam entender de todos os assuntos, mas levá-los a questionar, pesquisar, buscar o conhecimento, ensiná-los a pensar de forma lógica, conduzí-los ao autodidatismo e à autonomia. O estudante deve ser levado a ser sujeito do conhecimento, não permitindo que o currículo de ensino seja mais importante do que o filho.

Na Educação Domiciliar, os conteúdos são importantes, mas além da aquisição de saberes, os filhos precisam desenvolver o intelecto e formar habilidades.

No mundo

Países como Estados Unidos e Inglaterra permitem a Educação Domiciliar, bem como a França que, no entanto, exige que as famílias notifiquem a decisão às autoridades e os estudantes podem passar por avaliações.

Já na Alemanha, Suécia, Argentina e Uruguai, para citar alguns países, educar os filhos apenas em casa, sem frequentar uma escola formal, é proibido.