As cotas ainda são necessárias, mas devem funcionar por um período limitado

Fonte: A Tarde Autora: Gabriela Albach

 

A Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) não conseguiu matricular o número mínimo alunos que se declarem pretos, pardos ou indígenas. É o primeiro ano que a universidade implementou a política de cotas raciais. O sistema foi aprovado pelo Conselho Universitário da instituição no ano passado, e passou a valer no vestibular 2018. Por ser uma universidade estadual, a USP não está sujeita à Lei Federal de cotas.

Segundo Liliane Rocha, especialista em diversidade e mestre em Políticas Públicas pela FGV, as cotas raciais são importantes porque elas contribuem para gerar maior equilíbrio de oportunidades àqueles e àquelas que desejam fazer um curso superior.

“A escravidão e o preconceito racial deixaram um legado perverso para a sociedade brasileira que precisa ser endereçado por políticas públicas que visam reparação histórica, cujo objetivo não é mudar o que aconteceu no passado, e, sim, criar novas perspectivas para o futuro. Neste sentido, a educação superior é um dos caminhos indutores de transformação social. As cotas sociais e raciais são importantes porque – infelizmente – temos um sistema educacional que ainda não foi capaz de oferecer uma educação de qualidade e universal para todos os brasileiros”, argumenta.

Das 175 vagas preenchidas, pelo menos 65 deveriam ser ocupadas por alunos da rede pública e, dessas, 24 deveriam ser destinadas aos alunos que se enquadram na cota racial. Entretanto, um levantamento realizado pelo G1 mostrou que os números foram respectivamente 82 e 23, não alcançando a quantidade mínima de alunos que se autodeclaram pretos, pardos e indígenas.

De acordo com a USP, considerando todos os calouros de todos os cursos, a universidade conseguiu atingir a proporção mínima determinada pela política de cotas. Os dados declarados pelos estudantes no ato da matrícula indicam que a instituição matriculou mais de 11 mil calouros neste ano, sendo que 4.744 estudaram em escola pública, e 1.855 são da categoria de cotas raciais.

De acordo com a Lei 12.711, que dispõe sobre o ingresso nas universidades federais, do total de matrículas oferecidas em cada curso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio, 50% das vagas serão reservadas aos alunos que cursaram o ensino médio, integralmente, na rede pública.

“Desse total, metade das vagas devem ser reservadas exclusivamente a estudantes cuja renda familiar per capita seja inferior a 1,5 salário mínimo. Além disso, a lei prevê que haja um percentual mínimo de vagas preenchido por estudantes autodeclarados negros, indígenas ou portadores de deficiência com base na proporção de cada um dos grupos na população da unidade federativa onde está a instituição – tomando como base o último censo do IBGE”, explica Lilian.

A instituição tem até 2021 para implementar metas graduais sobre a proporção de estudantes de escola pública entre os calouros matriculados anualmente. Este 2018, a proporção fixada foi de 37% para o total de matrículas de cada unidade, mas em 2019, 2020 e 2021 ela sobe para 40%, 45% e 50%, respectivamente, e vale especificamente para as matrículas de cada curso.

Para a consultora e doutora em educação pela PUC-Rio, Andrea Ramal, as cotas são necessárias, mas elas precisam vir acompanhas de ações sociais. “Nesse momento específico as cotas ainda são necessárias, mas acredito que elas devem funcionar com o período limitado. Quando essa política foi criada, a ideia seria resgatar a dívida história, mas defendo que precisam ser feitas melhorias, para que a longo prazo, todos estejam em pé de igualdade para enfrentar o vestibular”, conclui.