Fonte: Época Autor: Filipe Vidon

Na última quarta-feira 18, a Polícia Civil fez uma operação com o uso de helicópteros na região do Complexo do Alemão e da Maré. Muitos tiros foram disparados e fotos de crianças uniformizadas abaixadas dentro de escolas, tentando se proteger, circularam pela internet. Segundo o Laboratório de Dados Fogo Cruzado, no primeiro semestre de 2019, 4.169 tiroteios ou disparos por arma de fogo foram registrados no Grande Rio — aproximadamente 30% em dias letivos, durante horário escolar e no perímetro de 300 metros de escolas e creches da rede pública e privada. Das oito pessoas baleadas dentro ou próximo das unidades de ensino, quatro eram alunos.

Segundo Andrea Ramal, doutora em Educação pela PUC-Rio, o convívio de crianças com a violência pode colaborar para o aumento da evasão escolar. Ela fala também sobre como isso afeta os estudantes dentro da escola: sem a mente tranquila e focada, o aluno pode ter dificuldades de aprendizado, estresse e distúrbios psicológicos mais graves.

Qual o impacto real da violência urbana na rotina de estudantes em áreas de risco?

Primeiro, tem a questão da perda de aulas pelo excesso de interrupções, às vezes, até mesmo por causa de tiroteios. Quando as aulas são interrompidas com frequência ocorre uma perda do ritmo de estudo, o aluno acaba desmotivado e pode acarretar até no risco de evasão escolar. Além disso, tem a questão das próprias condições para aprender, com a mente tranquila e focada. Nessas condições, o aluno já vai para a escola com medo, volta para casa estressado, menos focado para o aprendizado. Temos hoje muitos casos de crianças com síndrome do pânico e outros distúrbios desse tipo associados ao estresse.

Além de alunos, professores também acabam afetados pelo convívio com o medo no ambiente profissional?

O magistério, na rede pública, se tornou quase que uma profissão de passagem. Nós temos muita gente jovem, mas poucos que ficam ao longo dos anos. Seja pela remuneração, pelo problema da violência em torno das escolas, ou até mesmo pela indisciplina dos alunos. Essa violência não está só fora da escola, os alunos acabam absorvendo muito isso. Têm turmas em que você tem alunos agressivos, fazem bullying com o professor e tudo isso acaba tornando a profissão quase que de risco. No fim, estudantes muitas vezes acabam com algumas disciplinas sem professor, o que é mais um prejuízo.

O aumento da violência em certas regiões acaba restringindo ainda mais o acesso à unidades escolares da rede pública de educação?

Sim, com certeza. Isso acaba acontecendo com frequência, não tem vaga em escolas próximas onde a família mora, e quanto maior o trajeto maior exposição à violência, ao risco. Nesse caso, eu considero que seria fundamental que o estado e o município se organizassem para ter transporte escolar seguro. Vejo que hoje em dia seria até mesmo importante tirar algumas escolas que estão em áreas de altíssimo risco, como a do Complexo da Maré. Me parece que o poder público está preocupado em combater a violência, mas não podem esquecer da situação das crianças.

De que maneira familiares e professores podem trabalhar para reduzir os impactos dessa realidade?

Primeiro, é importante não fazer terrorismo para não aumentar o medo e a ansiedade das crianças. Outro ponto é transmitir uma visão positiva sobre o papel da escola, mostrar a importância da educação para construir uma sociedade diferente da que a gente vive. Os professores, alguns deles, estão sendo verdadeiros heróis, como aquele que ficou tocando violão para distrair as crianças durante um tiroteio. O que eles puderam fazer para conversar com as crianças e ajudar a externalizar os sentimentos já ajuda muito.

Desenhos e redações de crianças abordando a insegurança que vivem têm viralizado nas redes sociais. Essas também são boas alternativas para lidar com o tema?

Esses desenhos são fundamentais, porque é a maneira de fazerem uma espécie de catarse, botar para fora o medo e a angústia, trabalhando dentro de sala sem delimitar tópicos. Você pega esses desenhos, reúne a turma em círculos e começa a debater porque que a nossa realidade é assim? O que podemos fazer para mudar? O que a própria criança pode fazer para contribuir para um mundo melhor?

Em longo prazo, que tipo de estudantes estão sendo formados com crianças crescendo nesse ambiente?

Essa é uma situação seríssima que afeta o país inteiro. Além da violência e interrupção de aulas, se somam outros problemas: falta de cursos, falta de formação de professores, materiais didáticos, recursos tecnológicos… Infelizmente, neste momento, estamos formando uma geração que está muito aquém do que poderia estar. São crianças e jovens que tem muita potencialidade, mas a escola de hoje, principalmente a pública com raras exceções, não está conseguindo desenvolver.