Instituições de ensino devem discutir o racismo com alunos e comunidade

SÃO PAULO – Um estudante de Administração da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo foi suspenso por três meses após ser denunciado por racismo. O aluno enviou uma mensagem para um grupo de WhatsApp com a foto de outro estudante, negro, acompanhada da mensagem: “Achei esse escravo no fumódromo! Quem for o dono avisa!”. O aluno ofendido prestou queixa contra o autor da mensagem no 4º Distrito Policial, na capital do estado, e publicou um texto de repúdio em um grupo de estudantes da FGV no Facebook.

“Tão perto de mim.. Por que não foi falar na minha cara? Mas você optou pela atitude covarde de tirar uma foto minha e jogar no grupo dos amiguinhos. Se seu intuito foi fazer uma piada, definitivamente você não tem esse dom”.

Logo após dar depoimento na Delegacia de Repressão contra Crimes Raciais, em São Paulo, nesta sexta-feira, o estudante alvo da ofensa, João Gilberto Pereira Lima, de 25 anos, falou ao GLOBO sobre a reação que teve ao ver a mensagem racista.

— Fiquei em choque. Nunca tinha passado por isso na FGV. Agora só penso em ter meus direitos adquiridos — disse ele. — Já fui vítima de preconceito outras vezes, mas fora do ambiente universitário.

Acompanhado de uma representante do departamento de Igualdade Racial da Secretaria Municipal de Direitos Humanos, Lima reiterou o desabafo que havia feito na internet:

— Achei covarde. Esse tipo de gente é assim mesmo: em vez de falar na cara prefere falar por uma rede social ou tirar a foto sem autorização. Espero que seja feita Justiça. Não posso interferir no que a Justiça vai fazer, mas tenho que cumprir meu papel de cidadão.

A instituição de ensino informou, em nota, que o autor da mensagem está suspenso de suas atividades curriculares por pelo menos três meses. Isso significa que está “impedido de frequentar a escola, sem ressalva da adoção de medidas complementares, a partir da apuração dos fatos pelas autoridades competentes”.

Segundo o post do estudante que foi vítima da ofensa racial, na terça-feira ele foi chamado à Coordenação de Administração Pública. Chegou ao local acreditando que trataria de alguma questão acadêmica, mas se surpreendeu ao ser informado de que sua imagem fora usada sem autorização e de forma preconceituosa.

“Acha que aqui não é lugar de preto? Saiba que muito antes de você pensar em prestar FGV eu já caminhava por esses corredores. Se você me conhecesse, não teria se atrevido. O que você fez além de imoral é crime! As providências legais já foram tomadas e você pagará pelos seus atos”, escreveu o estudante na rede social.

Ainda que o autor da mensagem tenha sofrido uma penalidade da FGV, o estudante negro pretende continuar lutando para que ele seja expulso.

“Não descansarei até você ser expulso dessa faculdade. Pessoas como você não devem e nem podem ter um diploma da Fundação Getúlio Vargas. A mensagem é curta e direta. Mas serve para qualquer outrx racista da Fundação. NÃO PASSARÁ!”, completou.

A consultora em Educação Andrea Ramal mostrou espanto com o ocorrido. Segundo a educadora, é inacreditável que isso ainda aconteça. Para Andrea, a punição dada pela Universidade ao autor da mensagem foi razoável, mas não suficiente para que o problema tenha um fim. Na avaliação da educadora, é necessário que a instituição discuta o racismo com todos os seus alunos e comunidade.

– A universidade não pode pensar só no âmbito da punição. Só o fato de haver uma punição já é um grande passo, mas esse episódio tem que ser encarado como um estopim, uma chamada de atenção para que a universidade pense: “algo não vai bem aqui”. É importante, agora, promover palestras e abrir discussões sobre o tema. Mas não só isso, porque palestras passam. O ideal é que os professores incorporem esses valores no currículo e trabalhem em aula essa temática de maneira que ajude a melhorar toda a cultura da universidade, acredita.

A consultora ressalta, ainda, que se o estudante voltar a praticar qualquer ato de preconceito, de qualquer tipo, a instituição deve ter a autonomia para expulsá-lo.

Já houve um tempo em que se acreditou que a universidade deveria se preocupar apenas com a formação acadêmica do aluno e que questões morais e éticas não seriam de sua alçada. Mas hoje não se entende mais isso. É consenso que a universidade tem que trabalhar também esse aspecto – defende Andrea Ramal.